Oppenheimer (2023) - Crítica
Uma história sobre o que aconteceu e pode acontecer de novo
Começo, meio e fim. Toda história tem esses momentos – incluindo o filme Oppenheimer, mas não necessariamente nessa mesma ordem.
A obra cinematográfica escrita e dirigida por Christopher Nolan é baseada no livro biográfico “Prometeu Americano: O Triunfo e a Tragédia de J. Robert Oppenheimer” que analisa e descreve a história do físico teórico que liderou o projeto de desenvolvimento da bomba atômica, a primeira arma nuclear.
O filme não é uma narrativa linear, bem como devia ser a mente do notório físico em alguns dos momentos mais complexos, geniais e aterrorizantes da história: a Segunda Guerra Mundial precedida pelo período da Guerra Fria.
Se alguém espera assistir à história da criação da bomba atômica em um molde cronológico e determinístico, deve esquecer essa ideia e se atentar ao próprio título do filme antes de mais nada: Oppenheimer.
A produção se introduz em um formato imersivo e em primeira pessoa nos momentos da vida conturbada do físico Oppenheimer, incluindo, é claro, majoritariamente a criação e a utilização de seus artefatos nucleares, mas também diversas causas e consequências que se reverberaram a ele próprio e ao mundo após seus feitos mais famosos, além do que envolve a construção e desconstrução de sua personalidade, suas ideais científicas e seu posicionamento político.
A bomba atômica existe e sabemos que ela e outra já foram lançadas mais de uma vez, ceifando vidas e sociedades inteiras – ou ao menos deveríamos saber – o que faz o enredo do filme abordar demais momentos, figuras históricas e crises que estavam atreladas a esse fato, mas não se prendendo exclusivamente a ele.
Algumas falas importantes de figuras que explicam para o público o cenário político e social da época ficam sem a duração que poderia dar um entendimento mais profundo sem que o espectador tivesse de esperar tantos outros acontecimentos exibidos no longa. Contudo, o que poderia ser uma pendência ou uma maior falha acaba sendo incorporada, ao menos parcialmente, na construção do verdadeiro suspense e da tensão que vai se relevando para a audiência cativada.
Com um desenvolvimento intelectual que revisita o passado, o presente, e de forma assustadora, os possíveis cenários futuros, Oppenheimer combina com realismo, várias sutilezas e uma boa dose de extravagância sonora e visual, algo que pode ser descrito como um conjunto de explosões de diferentes emoções, reflexões e pontos de atenção ao espetáculo artístico que Nolan e a equipe de produção, fotografia, efeitos e edição realizaram em uma obra de grande elenco. Isso, incluindo a detonação de uma bomba real.
Desconsiderando a ideia de efeitos gerados por computação, como CGI, o diretor fez questão de recriar de forma analógica a aparência da gigantesca e calorosa explosão do que foi a primeira bomba atômica em sua fase final de testes pela equipe de físicos e militares norte-americanos, antes de ser lançada nas cidades japonesas de Hiroshima e de Nagasaki, assassinando aproximadamente 100 mil pessoas em agosto de 1945.
Se você não assistiu ao filme, eu sugiro pular esse parágrafo – ainda que eu não vá dar detalhes que estraguem a surpresa – pois o que poderia ser o ápice narrativo, visual e sonoro dessa obra acaba sim acontecendo, mas de um modo diferente do que temos sido levados a esperar com tantos clichês de filmes de ação e de terror com cenas de jump scare e explosões forçadas no cinema.
O silêncio que se instala em algumas das mais importantes cenas, eleva o mistério e o realista horror que de fato acontece quando menos esperamos, independente do quão óbvias são as nossas ações que reverberam ao longo do tempo e do espaço.
Na verdade, quem busca uma explosão visível e factual é devidamente agraciado com o ótimo resultado que a produção entrega em mais de um momento. Contudo, como é uma das maiores propostas denotadas no filme, algumas explosões (metafóricas ou não) surgem com seus estrondosos efeitos em momentos diferentes do que imaginamos.
Claro que tamanha qualidade da obra não está apenas em sua desenvoltura de reflexão intelectual e seus efeitos de cinema. A recriação dos cenários, figurinos e toda estética colorida e em preto e branco do longa remete a como uma obra pode ser tanto informativa e de cunho de entretenimento quanto uma produção artística que dá um real prazer em simplesmente ver e adentrar em seu mundo.
O conjunto de atores e atrizes de renome que participa como pontas, coadjuvantes e protagonistas nessa história é tão grande e de tão boa qualidade quanto a explosão que o filme nos mostra.
Interpretando um homem complexo, idealista e perturbado com seus feitos, Cillian Murphy, que faz o papel de Oppenheimer, não deixa a desejar em nenhum dos momentos de suspense, ação e romance presentes na obra. Todas as emoções mais expressivas são desempenhadas com maestria pelo ator durante a juventude até os anos mais próximos ao fim da fida de Oppenheimer, tal como todo momento de tensão e introspecção que não deixa dúvidas sobre a complexa figura para quem assiste à realização em cena do ator.
Contando com o desenvolvimento surpreendente do papel de Lewis Strauss, empresário e oficial do governo, interpretado por Robert Downey Jr. e com uma atuação de Emily Blunt transpondo os desgostos, a união e a influência de Kitty Oppenheimer, esposa do físico, além de momentos curtos, mas profundos de um romance conflitante do papel de Jean Tatlock, interpretada por Florence Pugh, o filme escala astros de Hollywood para as menores e maiores cenas da narrativa agradando, mesmo que por poucos minutos, os fãs de figuras renomadas do cinema.
O filme é uma crítica assumida e uma grande alegoria a fatos recentes da política e da economia atual, mas não de modo desproporcional. Quem quer se informar e se entreter com uma obra sobre uma época que já passou será atendido com satisfação.
Agora, quem tem apreço por conteúdos que nos deixam a repensar o que está ocorrendo no mundo real e atual também terá uma grande realização de suas expectativas.
Paralelos com novas armas, equipamentos super avançados e demais invenções e tecnologias que são lançadas aos montes pelas empresas em nosso cotidiano como itens de desejo, mas que vão demonstrando seus efeitos nocivos impensáveis em outros momentos são traçados nos levando a refletir: o que isso pode causar?
Como um retrato histórico e um aviso nítido e aterrador sobre a situação que vem se agravando no cenário geopolítico, com diversos países entrando em conflito e demonstrando suas armas nucleares de destruição em massa, Oppenheimer de Christopher Nolan demonstra e filosofa sobre as variadas ondas de impacto e distintas explosões sociais, tecnológicas e políticas que hoje existem no mundo após a concepção de dispositivos como as primeira bombas atômicas.
Mais que isso, a obra cinematográfica de magníficas 3 horas de duração nos assusta tanto com uma história que parece absurda, porém que aconteceu realmente e pode acontecer de novo, de forma a nos desejar assistindo por mais tempo, tanto para continuar a apreciar toda a produção feita para o filme quanto para continuar buscando alguma resposta que nos ajude a resolver as dúvidas, os conflitos arriscados e o medo do não tão desconhecido que tem se instaurado em mais de um aspecto do mundo.
Oppenheimer (2023)
NOTA: 9/10
- Gabriel Tessarini