Às vezes, tudo o que a gente precisa é de um pouco de pura imaginação e chocolate. É isso e muito mais que Wonka, dirigido por Paul King, nos apresenta com muita música, efeitos visuais deliciosos e uma história um pouco ingênua, porém inspiradora de conquistas e superação.
Originando-se do livro A Fantástica Fábrica de Chocolate, escrito pelo galês Roald Dahl em 1964, Wonka (2023) é a terceira versão cinematográfica da história, após os filmes lançados em 1971 e em 2005.
O escritor Roald Dahl teve muitos de seus livros levados às telas de cinema ao longo dos anos pelo estúdio da Disney, incluindo “O Bom Gigante Amigo” e “James e o Pêssego Gigante”. Surpreendentemente, nenhuma dessas 3 grandiosas e imaginativas versões originadas da Fantástica Fábrica de Chocolate foi produzida pelo estúdio da Disney, a reconhecida fábrica de sonhos do ramo do cinema. Ainda assim, Wonka é um sonho que se torna realidade.
Em uma versão jovem do famoso chocolateiro, agora assumido também como um mágico e inventor, Willy Wonka, interpretado por Timothée Chalamet, nos é apresentado no início conturbado de sua carreira em um cenário urbano vintage, em um período que se assemelha ao século 20.
Como um imigrante com apenas 12 moedas no bolso, um sonhador e inocente aspirante à empreendedor advindo de regiões distantes da cidade grande, Wonka sofre com a dura realidade econômica e social logo no primeiro momento em que coloca os pés no lugar onde deseja realizar suas fantasias, mas reluta a abaixar a cabeça ou desistir.
Mesmo com várias analogias e críticas em estruturadas à certos modelos econômicos, à corrupção e ao elitismo, a produção não deixa de ser um espetáculo visual, musical e sensorial de puro entretenimento, diversão e inspiração. A obra é feita para agradar a toda família, e faz isso muitíssimo bem.
Sem nunca deixar cair o chapéu (ou cartola), Wonka realiza com exatidão algo que é difícil fazer em um filme familiar: equilibrar uma premissa relativamente simples de magia, superação, confiança e bondade indubitável – algo que é satirizado pelo próprio personagem – com a dura e complexa realidade que é o mundo e as pessoas que o habitam, principalmente para os que se arriscam no ramo do empreendedorismo.
Mesmo com muitos momentos da crença ingênua de “você pode fazer tudo o que quiser”, contrária à realidade do mercado e da sociedade, a produção demonstra o esforço e a engenhosidade que é requerida aos personagens desenvolverem e aplicarem para poderem ter chance de alcançar seus objetivos por fim.
Diga-se de passagem, que mesmo uma premissa tão inocente e simples é importante de vez em quando na indústria do cinema. Quem não gosta de uma boa motivação que nos faz recorrer às boas energias da liberdade da infância?
Willy Wonka personagem é um precursor, um inovador, alguém que entrega o que ninguém entregava antes e que faz os outros se moverem. Como mostrado com muita sutileza, mas sagacidade, em uma rápida cena com flamingos, algumas criaturas até nasceram com total capacidade de voar, mas elas só voam para a liberdade se alguém as mostrar como fazer isso em algum momento.
Desde inovando ao melhorar a produtividade do trabalho manual, repetitivo e deprimente de seus colegas com a invenção de uma máquina, até unindo os amigos em um novo empreendimento com um objetivo em comum – onde os outros também usam suas respectivas engenhosidades para conseguirem uma parte justa dos lucros – Willy Wonka mostra que nem tudo vem de uma simples e irreal magia, mas sim de empenho mental, físico e parcerias certas. Mas claro, o filme ainda tem muita dose de magia e alegria, tanto nos doces quanto nas coreografias muito bem elaboradas por todo o elenco principal e pelos figurantes.
Chalamet leva uns instantes para se entregar totalmente, mas de fato entrega um Wonka motivado, com boas intenções, uma pitada de sarcasmo e uma dose adequada da excentricidade e da loucura que são reservadas aos inventores.
Com o carisma do ator, o trabalho vocal nas canções divertidas, motivacionais e sua desenvoltura que passa pelo irreverente andar do personagem, seu jogo de caras e bocas, até suas cenas de dança, o chocolateiro genial que já foi muito bem interpretado pelos atores Gene Wilder no clássico de 1971, e Johnny Depp no remake neo-futurista e meio punk de 2005, agora nos é trazido com mais humanidade.
O personagem passa por alguns sofrimentos mais tocantes e sinceros, e se empenha para resolvê-los como indivíduo e com um trabalho em equipe com intensidade. As diferentes emoções e expressões transmitidas pela atuação de Chalamet criam uma conexão maior com o lado humano do caricato chocolateiro.
A figura do chocolateiro inocente vai amadurecendo levemente ao longo da aventura, mas sem perder sua magia interior. Pelo contrário, como todo bom sonhador, Wonka nos mostra que podemos sonhar mais ainda, sempre que quisermos.
Claro que o fato de ser uma história de origem, descrevendo o início com mais detalhes e amarrando as pontas ajuda imensamente com essa empatia entre o público e o personagem principal, além dos outros participantes da aventura, mas não deixemos de valorizar devidamente o elenco que traz vida a esse roteiro tão bem estruturado.
Wonka tem muitos detalhes estéticos e narrativos mais ligados ao filme clássico de 1971 do que ao remake de Tim Burton de 2005, mas é uma produção original, com um arco novo e único cuja história antecede e se diferencia dos demais em muitos aspectos.
O personagem de Chalamet é menos pernicioso do que a versão extravagante de Depp e mais despojado e atento do que a versão original de Wilder. As cores da obra são mais vivas e as músicas são mais naturais, ainda que em maior repetição, o que pode desagradar um pouco à algumas pessoas, mesmo cientes de que seja uma aventura musical.
Não é obrigatório assistir a nenhum dos filmes anteriores para compreender ou se encantar com a versão de 2023, mas seria uma boa recomendação para ficar cada vez mais imerso nas histórias de imaginação e excentricidade do escopo.
Sem fugir à “pura imaginação” que também faz parte da trilha sonora da obra, Wonka segue com maestria a receita de misturar um show nos moldes de peças de teatro e musicais da Broadway contendo figurinos, músicas e coreografias espalhafatosas, com uma narrativa coerente e que prende a atenção, com começo, meio, reviravoltas e um final sem furos
Com um conjunto de pequenas subtramas, algumas mais infantis e outras bem maduras, Wonka não se sustenta só pela incrível história principal do inventor com os melhores doces e chocolates que te fazem voar pelos ares, mas também pelo suspense, pelo escopo da busca por uma família, pela inusitada e cômica corrupção policial e por toda a comédia em diferentes níveis rodeando a produção.
Tendo um grande elenco, incluindo Olivia Colman como uma parte do nicho de vilões, caricata, ardilosa e divertida com sua engenhosidade para o mal, a jovem Calah Lane que traz a personagem de uma protegida e uma protetora esperta e bondosa, além de Keegan-Michael Key e Paterson Joseph em papéis que se destacam pela forma humorística de demonstrar a sagacidade dos vilões, Wonka ainda insere outras figuras consagrados como Rowan Atkinson e Hugh Grant, sem tanto tempo de tela como alguns devem estar acostumados, mas ainda assim com bastante humor e importância para a trama.
Atkinson nos agracia com suas caretas e seu humor silencioso e pastelão, e ainda com sua destreza na história narrada, mesmo que em pouco tempo. E Grant interpreta um Oompa-Loompa nos mesmos moldes que o filme original de 1971, mas com um ar moderno de sarcasmo inglês que diverte, na mesma medida que acaba sendo vital para a sobrevivência de diferentes momentos da trama – e até para uma possível futura continuação dessa obra tão “fantástica”.
Toda a engenhosidade que os diferentes personagens usam para resolver os seus variados problemas é aplicada de maneira igual ou até maior pela equipe de Wonka para construir os cenários e efeitos tão vivos e bem apresentados na obra.
O filme de 2023 é uma nova versão cativante, extremamente inspiradora, com um respeito notável pela versão original, boas nuances ao glamuroso remake de 2005, mas também com sua própria originalidade que acerta em quase todos os sentidos.
Se a imaginação é um dos pontos chaves da história, a produção em si teve a imaginação muito bem conduzida pelos vários processos para entregar esse espetáculo cinematográfico.
Agora, chega de tanto debate e vá assistir ao filme do chocolate.
Wonka (2023) | Warner Bros
NOTA: 8/10
- Gabriel Tessarini